terça-feira, 19 de novembro de 2013

Arara-Azul-de-Lear: Notas acerca da origem do nome Araruna

Arara-azul-de-lear / Foto: Renato Grimm
Cada lugar apresenta suas particularidades, costumes e tradições que permeiam seus valores, história e cultura. Dentre suas significações se faz importante entender o por que de determinados topônimos serem utilizados. É de conhecimento geral, que a denominação do município de Araruna/PB, seja proveniente da língua tupi e que denomina uma ave,  porém pouco se foi aprofundado dentre tantas espécies de aves, qual seria de fato a famosa A'rara una, falada pelos habitantes primitivos, os indígenas, deste lugar, e que foi transmitida através do dom da fala nominando as aves, a Serra de Araruna, e o próprio município.

A ave que primitivamente povoou os ares de Araruna, é segundo estudos de diversos ornitólogos (cientistas que se dedicam ao estudo das aves), possivelmente, a Arara-Azul-de-Lear, que não só era encontrada nesta região, mas por outros lugares do Nordeste. É uma ave da família dos Psittacidae de tamanho mediano e com suas penas na cor de um azul bem escuro, ao qual conheceremos melhor contextualizando-a com a origem do nome da cidade: ARARUNA.

Arara-azul-de-lear / Fonte: Projeto Arara Azul
Conta-se uma lenda nesta região em que alguns caçadores  ao atravessarem uma trilha nas serras viram um bando de araras fazendo um grande alarido. Daí, teriam exclamado: ARARUNAS!! Este local passou por eles a ser conhecido por "O lugar das Ararunas", que com o decorrer do tempo denominaram  o conjunto de serras de "Serra das Ararunas", tal qual denominamos até a contemporaneidade a serra onde se encrusta a cidade - Serra de Araruna.

O historiador Irineu Pinto, escreveu no jornal "A União", publicado no dia 21 de março de 1909, a respeito da região de Araruna, que nestas serras, existia uma grande pedra, onde as ararunas faziam seus ninhos, e que os viajantes a chamavam de "Pedra da Araruna", rocha esta, que com o decorrer do tempo passou a ser nomenclaturada como "Pedra da Boca", devido sua cavidade, decorrente de erosão.

Pedra da Boca, onde as "ararunas" faziam seus ninhos (Arquivo pessoal)
Contrafortes das Serras de Araruna e da Confusão, habitat primitivo das araras
Muitas pessoas desacreditam da existência destas aves na região, devido a muito tempo não serem mais avistadas, restando apenas como  possíveis indícios  de sua passagem, os ainda encontradas periquitos-da-caatinga (Aratinga cactorum), facilmente encontrados entre a Serra de Araruna e a divisa com o município de Japi/RN. As alegações da inexistências destas aves são refutadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que diz : "Essas aves eram abundantes na região"

Segundo Humberto Fonseca de Lucena, em Araruna - Anotações para sua história (1985): "O nome Araruna vem do tupi a'rara una e significa arara preta. Esta denominação decorre do fato de existirem à época do povoamento muitas dessas araras, que apesar do significado do nome (arara preta) distinguem-se pela plumagem azul escuro que, vistas à distância, aparecem negras".

Casal de Araras-Azuis-de-Lear em pleno voo / Foto: Projeto Arara Azul
Arara-Azul-de -Lear / Foto: Projeto Arara Azul
Grupo de araras em palmeira licuri  / Foto: Ciro Albano
Muito se especulou sobre a referida arara ser a Arara-Azul-Grande (Anodorhynchus hyacinthinus), ou até mesmo a Arara Canindé (Macrocerus ararauna) por seu nome se assemelhar a denominação primitiva A'rara una.

Envoltos a tantas duvidas, nos vem a constatação vinda através da Ornitologia, ramo cientifico que se dedica ao estuda das aves, que a A'rara una que habitava estas serras se tratava da Arara-Azul-de-Lear, a presença desta ave nestas serras do Curimataú Oriental paraibano são confirmadas por grandes pesquisadores como: Tomás Pompeu Souza Brasil (1863), José Fernando Pacheco (1953), Leon Francisco Clerot (1969). Onde informam que não existem mais araras em Araruna, e não possuírem duvidas de que já existiram  estas araras na localidade, "já que vem de longe no tempo as histórias sobre elas", onde consideram a arara-azul-de-lear como  a mais provável de ter ocorrido no município de Araruna.

Casal de Araras / Foto: Mavila 2012
Casal de Araras / Foto: Mavila 2012
Além destes, Weber Girão acredita que tenha ocorrido na região tanto a Anodorhynchus hyacinthinus, quanto a arara-azul-de-lear Anodorhynchus leari, onde cita como indicador disto a referência do naturalista Spix  em seu Glossário das Línguas Brasileiras, a descrição da etimologia de Araripe como "lugar das araras".

Com a chegada do homem na região das Serras de Araruna e da Confusão, e do atual Parque Pedra da Boca, tornou-se difícil as condições de sobrevivência destas aves, seja por transformação antrópica de seu habitat, ou até mesmos para fugir de caçadores, na realidade estas aves migraram de diversas regiões do Nordeste encontrando-se atualmente apenas um pequeno grupo de cerca de 1000 membros em área endêmica na Unidade de Conservação Serra Branca (Raso da Catarina), no município de Jeremoabo (Bahia), divisa com Sergipe.

A arara-azul-e-lear (Anodorhynchus leari) recebeu este nome após ter sido retratada em 1832 em "Illustrations of the Family of the Psittacidae, os Parrots", por Edward Lear, ao qual por homenagem fora repassado seu sobrenome para "batizar" a ave, mesmo ele tendo a classificado como da espécie Macrocerus hyacinthinus.

Litografia de Edward Lear em 1832, que contribuiu nos estudos e catalogação desta ave.

Ilustração feita por Eduardo Brettas e Dale Dyer, sobre as espécies de araras azuis no Brasil. Fonte: Intituto Arara Azul

Sua alimentação baseia-se no consumo de pequenos cocos da palmeira licuri, onde na escassez da mesma partem para alimentos alternativos, principalmente o milho, voando diariamente num raio de 60 km do local onde moram em busca de alimento, onde consomem cerca de 250 coquinhos licuri por dia. Vivem nas cavidades naturais dos paredões de arenito, geralmente voam em duplas, através de casais fixos até o fim da vida, reproduzem-se entre os meses de outubro e abril, a distinção entre adultos e filhotes é feita através de sua região perioftálmica amarela nos adultos e esbranquiçadas nos filhotes.

Arara-Azul-de-Lear, ave azul escura denominada a'rara una (arara negra) pelos nativos indígenas
Esta ave que hipoteticamente habitou na serras do município de Araruna, possui  tamanho mediano de cerca de 71 a 72 cm de comprimento, e está aos poucos saindo da lista de pretensos candidatos a extinção, através de projetos de preservação da espécie, que combate sobretudo seu principal motivo de declínio: o trafico ilegal para criadouros particulares no Brasil e exterior, além da destruição de seu habitat.
 Brasão de Araruna retratando como símbolo a arara e a Pedra da Boca



Bandeira de Araruna, criada em 1977, retrata uma arara preta estilizada.


A Arara-Azul-de-Lear, além de provavelmente nos ter provido a denominação A'rara una, do qual o nome Araruna foi oriundo, remeteu o topônimo Serra da Araruna, e é retratada  como simbolo municipal,  a arara da bandeira e do brasão do município.

 Wellington Rafael

Fonte: 
LEAR, Edward, 1812-1888 / Illustrations of the family of Psittacidae, or parrots: the greater part of them species hitherto unfigured, containing forty-two lithographic plates, drawn from life, and on stone (1832)
LUCENA, H.F. 1985 – ARARUNA- Anotações para a sua História. Coleção IV Centenário. Governo do Estado da Paraíba. João Pessoa, Paraíba. 
Municípios Brasileiros com nomes referentes a aves: http://www.ceo.org.br/municipios/municipios.htm
Portal Brasil: http://www.brasil.gov.br/meio-ambiente/2013/10/icmbio-aprova-programa-de-cativeiro-da-arara-azul-de-lear
SILVA, Wellington Rafael da. Análise das transformações do espaço urbano na cidade de Araruna – PB, da fundação do povoado a 1967.

sábado, 2 de novembro de 2013

Memórias de Araruna: relembrando o Monsenhor Joaquim de Sousa Simões

Padre Joaquim de Sousa Simões
Certamente uma das personalidades mais marcantes da história de Araruna é representada pelo Monsenhor Joaquim de Sousa Simões, não apenas pelo seu longo período a frente da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, mas por sua grande dinamização social no município e região, tendo além de sua ação pastoral, ter prestado serviços relevantes  a comunidade, seja exercendo o magistério, criando colégio, fundando hospital, ou outras realizações.

Nascido aos 20 de abril de 1908 no Engenho Central São João, em Santa Rita - PB, foi fruto da filiação do casal Francisco de Sousa Simões e Filomena de Sousa Simões, tendo como irmãos: João, Antônio, Severino, Heleno, Luzia, Severino e a irmã adotiva (prima) Maria Freire Simões. Foi o sexto filho desta família de agricultores. 

Passou sua infância com a família junto de seus avós em Alagoinha - PB, dividindo-se juntamente com seus irmãos entre a agricultura e a escola, tendo sido agricultor por sua conta até os 13 anos de idade. Porém, desde cedo demonstrou ter vocação para o sacerdócio, tendo sido este oficio sua grande vontade, as denominadas "Santas Missões" ocorridas em Alagoinha em 1923, teria lhe atraído a atenção e sido grandes influenciadores.

Padre Joaquim de Sousa Simões ao lado de sua genitora D. Filomena de Sousa Simões.
Década de 1920. Fonte: Acervo de Dona Rita Ana
Ingressou no Seminário da Paraíba aos 17 anos, em substituição de seu irmão Heleno, que através de uma grande enfermidade não pode continuar, o jovem Joaquim então teve sua pensão paga por Heleno e pela irmã Luzia, que lhe enviava quase todo ordenado por mês de seu trabalho como professora. Foi durante seu período no seminário que demonstrou seu gosto por instrumentos musicais, gostava de tocar órgão e sanfona, talentos estes que continuou exercendo como lazer  no decorrer da vida.

Enfim, se ordenou aos 27 anos de idade, no  ano de 1935, onde posteriormente exerceu a função de professor de música e vice-diretor do Colégio Diocesano, até 1937, pois em 1938 recebeu o convite para ser vigário na Paróquia de Ingá e Serra Redonda, por onde exerceu sua função por cerca de 10 anos, trabalhou também no jornal da diocese A Imprensa, até o fechamento da mesma por uma crise política com o Governo da Paraíba, trabalhou ainda com vocações sacerdotais em favor de seminarista carentes, onde recebeu um novo convite, desta vez para ser pároco de Araruna. 

Padre Joaquim rodeado por pombos, durante viagem a Veneza - ITA. Em 1950.
Fonte: Acervo de Dona Rita Ana
O Padre Joaquim chega a Araruna, em 1953, para substituir o Padre Epaminondas, tendo sido recepcionado por pessoas ligadas ao Apostolado da Oração e da Cruzada Eucarística, além de catequistas, para surpresa de muitos já no seu primeiro contato puxou sua sanfona e começou a tocar e cantar, mostrando de antemão ter uma personalidade forte e surpreendente, cativando a todos já de inicio. 

Teve como uma de suas primeiras missões preparar a paróquia para o seu centenário em 1954, promovendo uma grande festa. Nasce neste momento uma das mais controversas ações do Pe. Joaquim em Araruna, onde o mesmo decidiu realizar uma reforma na igreja matriz, onde através dela, diversos aspectos originais da matriz foram perdidos, a reforma culminou na destruição dos gigantes de sustentação na parte externa da igreja, que desfiguraram o  traçado arquitetônico original da matriz, além de seus pináculos superiores, internamente foi responsável pela destruição do altar-mór, dois altares laterais: o de São Sebastião e o do Bom Jesus, entre outros espaços.

 Embora tenha havido a resistência de alguns como o Senhor Benedito Fialho, a população em geral não se comoveu e aceitou pacificamente as alterações realizadas pelo Pe. Joaquim embasadas sobretudo por suas boas intenções, mesmo que por infelicidade tenham causado danosas e irreversíveis modificações a Igreja Matriz. Segundo Humberto Fonseca de Lucena a respeito destas alterações da igreja durante a reforma: "Certa ou errada, a reforma da matriz se tornou uma das suas maiores realizações e mostrou que o novo vigário tinha chegado a Araruna para ficar. Sua determinação e dinamismo eram um exemplo para os que não acreditavam no poder da iniciativa pessoal." (LUCENA, 2000, p. 108).

Pe. Joaquim realizando sua primeira comunhão em Tacima - PB, aos 18 de janeiro de 1963.
Fonte: Acervo de Dona Rita Ana.
As ações do Pe. Joaquim, no entanto, não se restringiram as atividades religiosas, tendo através de forte necessidade social, ter fundado a Casa de Saúde e Maternidade Nossa Senhora de Fátima registrado no Livro de Tombo em junho de 1955, onde no mesmo ano Araruna através dos esforços do líder político e empresário Benjamim Gomes Maranhão, também fora registrado o Hospital e Maternidade Maria Júlia Maranhão, inaugurado em 1954. Porém diferente deste segundo, que até hoje presta serviços a comunidade ararunense, a chamada "Maternidade do Padre" que funcionava onde atualmente fica a casa paroquial, teve duração mais curta, tendo fechado suas portas aos 9 de abril de 1964, diante de grave crise financeira. além de problemas políticos que envolviam o Pe. Joaquim e políticos locais.

A vida dinâmica do Monsenhor Joaquim de Sousa Simões o levou ainda a fundar um Sindicato de Operários Camponeses em 1962, o que o fez ser alvo de constantes observações por parte dos regimes militares, tendo sido preso em 1964, acusado de participar de "reuniões secretas" com os membros de sua criada associação operária.

Visita missionária de Frei Damião a Passa e Fica/RN, durante os anos 1980,
 entre outros Mons. Joaquim de Sousa Simões.
 Fonte: Acervo de João Bosco Moura.
O padre Joaquim promoveu diversas visitas missionarias em Araruna, como as  de Frei Damião e Frei Fernando, além de ter se destacado no magistério ararunense, tendo sido professor de português do extinto Ginásio Pereira da Silva que ajudou a fundar, chegando ao cargo de diretor, substituindo o primeiro diretor o Sr. Almir Carneiro da Fonseca, o Pe. Joaquim ainda chegou a ser diretor da nova escola de estadual de Araruna, denominada "Benjamim Maranhão". Além disto, Padre Joaquim foi responsável pela construção da nova igreja de Cacimba de Dentro, inaugurada em 1963. 

No ano de 1971, se encontrava o Padre Joaquim se formando no curso de Direito pela Faculdade de Direito de Campina Grande, demonstrando mais uma vez uma força inquietadora, que o tornava um homem constantemente renovador de si mesmo.

Formatura do Pe. Joaquim em Direito, em Campina Grande aos 07-12-1971.
Fonte: Acervo de Dona Rita Ana.
Padre Joaquim durante sua formatura em Direito, com Rita Ana e Lúcia. 1971.
Fonte: Acervo de Dona Rita Ana.
Formatura em Direito, sem a beca, com Rita Ana e Lúcia. 1971. Fonte: Acervo de Doma Rita Ana.
Padre Joaquim durante 1ª Comunhão das então crianças Jefferson e Jansem Targino,
 Década de 1970. Fonte: Acervo de Dona Rita Ana.

Mons. Joaquim com Jansem Targino. Década de 1970.
Fonte: Acervo de Dona Rita Ana.
A Senhora Odete Targino e o Senhor Antonio Martins durante 1ª Comunhão de seu filho Ataulfo Targino. Inicio da década de 1980. Fonte: Acervo de Dona Rita Ana.
Monsenhor Joaquim durante afago ao pequeno Ataulfo Targino, durante 1ª comunhão.
Inicio da década de 1980. Fonte: Acervo de Dona Rota Ana.
Foram se passando os anos, e as relações do Pe. Joaquim com sua paróquia se entrelaçavam cada vez mais, recebendo título de cidadão ararunense em 1983 das mãos da então prefeita Maria Celeste Torres da Silva, até que em 1989, já com a idade avançada (81 anos), começou a sentir problemas de saúde, que levaram a Diocese de Guarabira a enviar o Padre Francisco de Assis, para Araruna, afim deste seguir com os destinos da paróquia, e auxiliar o padre titular, o Padre Joaquim, a relação entre dois, embora que com muitas diferenças em diversos casos, aconteceu de forma harmoniosa.  Até que 1993, o Padre Assis recebeu o convite de se tornar o pároco de Arara - PB, desta forma foi substituído em Araruna pelo Padre Cícero Roberto que permaneceu até o ano de 1996, e posteriormente pelo padre Christian Muffler, popular Padre Cristiano, todos no auxilio ao padre Joaquim.

Monsenhor Joaquim com criança, em dezembro de 1980. Fonte: Acervo de Dona Rita Ana.
Prefeita Maria Celeste Torres concedendo título de cidadão ararunense ao Monsenhor Joaquim
de Sousa Simões, em 17 de dezembro de 1983. Fonte: Acervo de Ana Maria Queiroga

Padre Joaquim com seu papagaio. Década de 1990. Fonte: Acervo de Dona Rita Ana
Padre Joaquim em momento de descontração. Década de 1990.
Fonte: Acervo de Dona Rita Ana.
Pe. Joaquim em frente a casa paroquial. Década de 1990. Fonte Acervo de Dona Rita Ana.

Monsenhor Joaquim com o pequeno Jairo Lima na década de 1990.
Fonte: Jairo Lima 
Estela Maris Câmara, Pe. Joaquim e o Senhor Fausto, 1992.
 Fonte: Acervo de Dona Rita Ana.
Monsenhor Joaquim de Sousa Simões na nova cobertura da igreja matriz em 1992.
Fonte: Acervo de Dona Rita Ana.
Mons. Joaquim acompanhado entre outros de: Antônio Fonseca, Ernani Moura, Zé Torres e Agenor Targino.
Década de 1990,. Fonte: Acervo de Dona Rita Ana.
Os problemas de saúde do Padre Joaquim com o passar do tempo e da idade se tornando cada vez mais avançada, se agravaram, recebeu a implantação de um marcapasso, por recomendação de seu cardiologista, o ararunense e amigo João Bosco Teixeira no ano de 1994, o que não o impediu de realizar a celebração de 60 de sua ordenação sacerdotal em 1995, já aos 87 anos de idade. E assim foi seguindo sua vida, sempre querendo ser presente aos acontecimentos, se sentindo vivo e participativo na sociedade. 

Homem de atitudes e personalidade forte, também era uma pessoa calma, gostava de cativar, era costumeiramente flagrado ao tocar a sua "sarafina", uma espécime de órgão na igreja matriz, gostava também de animais de estimação, tendo criado entre outros, um papagaio e um gato, ao qual por brincadeira tentava fazer com que brigassem, porém em vão, ambos se davam muito bem. 

Monsenhor Joaquim de Sousa Simões, no final da década de 1990.
Fonte: Acervo de Dona Rita Ana.
Pressentindo o prenuncio do término de uma longa caminhada, escreveu uma carta que demonstra sentimento de que sabia que sua hora se aproximava, a seguir reflexões escritas por ele, repassadas pela sua secretária e amiga para todas as horas Dona Rita Ana, e transmitidas ao pesquisador Humberto Lucena:

     De onde venho e para onde vou chegando? Venho da primeira década do século XX e estou trepando no último ano da última década do mesmo século. Uma vida bem comprida e não cumprida. Está bem longe o berço e a sepultura bem perto. Ouço o repique de sino anunciando a morte deste mastodonte.
         Para mim foi ontem. Há razão para isto. A vida por mais amarga não deixa de ser "dolce vita".
Trepado nos 91 anos, parece que estou vivendo os dezenove. Engano da peste! Não passo de um saco de peças desacunhadas falando sem língua para o mundo vivo: "fui o que és e serás o que sou".
       Esta é a minha realidade atual que me proporciona, ainda, tanta alegria, e que comunicada aos desesperados daria felicidade a multidões de infelizes.
     Se bastou uma costela de Adão para que ele tivesse a sua companheira, quantos modelos não dariam os meus e as minhas que conduzo numa sacola de pele.
   Com vocês a coisa a outra. Um novo século se abre e sorri, num otimismo completo de criatividade.
      Um cheiro de incenso anunciava presenças divinas nas coisas humanas.

O Padre Joaquim, faleceu no dia 6 de fevereiro de 1999, aos 91 anos de idade, seu corpo foi levada para outras cidades da paróquia de Araruna, passando por Cacimba de Dentro, Tacima e Riachão, tendo sido sepultado na manhã do dia seguinte na própria Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, onde se encontram outros padres, mas diferente destes, que se encontram nas paredes do templo religioso, o Monsenhor Joaquim de Sousa Simões teve seu corpo enterrado em um espaço em uma das 5 entradas frontais da igreja.

A lembrança do Monsenhor Joaquim de Sousa Simões é sem duvidas uma das personalidades mais presentes na memória do povo ararunense, não somente pelo longínquo paroquiato de 46 anos a frente da paróquia de Araruna, mas por todos os seus laços constituídos nesta sociedade, com sua morte encerrou-se o percurso de um homem que teve durante a sua trajetória uma constante demonstração de força e de vontade de além de viver, se sentir vivo.

Homenagem do povo de Serra Redonda ao seu antigo vigário Joaquim de Sousa Simões
após falecimento. Fonte: Acervo de Dona Rita Ana.
Wellington Rafael

Referências:
* Rita Ana, ex-secretária do Monsenhor Joaquim de Sousa Simões.
* LUCENA, Humberto F. A Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Serra de Araruna. A União Editora, João Pessoa - PB. 2000.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Memoria Viva: trajetória de vida de Dona Lourdes Cavalcante


Maria de Lourdes Cavalcante de Macêdo
Maria de Lourdes Cavalcante de Macêdo nasceu aos 02 de agosto de 1926, embora em seus documentos constem no dia 03, em Araruna/PB, na propriedade denominada "Lagoa dos Homens", filha do senhor Manuel Bezerra Cavalcanti e da senhora Antonia de França Cavalcante.

Dona Lourdes conta que suas maiores recordações que guarda de seus genitores são que, era  muito ligada ao pai, Manuel Bezerra Cavalcante, bisneto de Feliciano Soares do Nascimento considerado "fundador" de Araruna, sendo seu pai um homem trabalhador que nas horas de descanso tinha ao seu lado sempre uma bíblia e um dicionário, era carapina (carpinteiro), fazia móveis, instrumentos musicais, sabia tocar rabeca (violino), costumava reunir os vizinhos na Lagoa dos Homens para os evangelizar, tendo sido também professor particular em Araruna. De sua mãe recorda sobretudo que era costureira dedicada ao trabalho doméstico, gostava de ler, era uma pessoa recatada.

D. Lourdes foi a penúltima filha de 10 irmãos, na ordem: Severino, Alcina, Luiz Gonzaga, Francisco de Assis, João, Antonina, Maria, Alvaro, Lourdes e Odete. Após sua infância na propriedade "Lagoa dos Homens", sua família foi morar nas proximidades da "Estrada Grande" em 1935, atual PB-111, que liga Araruna á Cacimba de Dentro, Lourdes até então possuía 8 anos de idade.

Foi alfabetizada a principio em casa pelos pais, em seguida estudou na primeira escola pública do sítio Bernardo, com a professora mista rudimentar Veny Torres. Deste período recorda que a educação era mais rígida, e levada mais a sério, uma simples visita do diretor chamado de inspetor á época, era motivo de grande euforia, e se deveria caprichar para tudo estar em harmonia e gerar contentamento no mesmo. Dona Lourdes recorda ainda, que durante os Governo Provisório, Constitucional e Estado-Novo do presidente Getúlio Vargas, os professores eram nomeados, e que só alguém com grande envergadura ética e moral era escolhida para lecionar.

 Lourdes Cavalcante
Após estudar na pequena escola do sítio Bernardo, a jovem Lourdes estudou no Grupo Escolar Targino Pereira, entre 1938 e 1940, onde concluiu o 3º ano, com a professora Jarina Nunes de Carvalho. Teve como colegas de classe entre muitos outros: Almir Carneiro da Fonseca e Antonio Fialho Moreira. Recorda que a carteira escolar de sua época estudantil era uma bancada para dois alunos (as), que possuía em seu centro uma parte funda, de onde era colocado o tinteiro, do qual se extraia a tinta com uma caneta de pena.

Para Dona Lourdes a educação era levada de fato a sério em seu tempo estudantil, pois cita por exemplo, o processo de conclusão de curso, onde uma mesa examinadora avaliava os alunos concluintes, fizeram parte de sua banca autoridades como o Padre Severino Cavalcante de Miranda, o Prefeito Demósthenes da Cunha Lima, o Tabelião  Antonio Carneiro, além de um oficial de justiça.

Lourdes Cavalcante durante cerimonia de casamento. Data indefinida.
Luis Lucena de Macedo e Dona Lourdes durante confraternização de um casamento de seus irmãos. Data indefinida
O casal Lourdes Cavalcante e Luis Lucena
Neste período, Lourdes Cavalcante conheceu seu futuro esposo o senhor Luis Lucena de Macêdo (in memorian), 3 anos mais velho do que ela, quando sua irmã Maria casou-se com Aluízio, irmão de Luís. Fazem parte das reminiscencias de D. Lourdes seu namoro com Luís, onde se era costume rodearem os arredores do Velho Mercado (atual Centro Cultural), neste período Araruna não possuía energia elétrica, sua iluminação era feita por tochas penduradas por hastes, que iluminavam os caminhos na cidade, além disto não exista a atual praça João Pessoa, em seu lugar apenas um cruzeiro que atualmente está inserida ao lado direito da igreja Matriz.

Lourdes Cavalcante e seu esposo Luis Macêdo de Lucena em agosto de 1980.
Dona Lourdes sentiu que o casamento lhe trouxe grande liberdade, pois conta que em sua época liberdade não era palavra vivenciada pela maioria das moças, que não poderiam sequer passear se não estivessem acompanhadas, oportunidade de sair de casa somente com as mães e parentes próximos, para irem as missas e saírem da clausura.

Conta ainda, alguns fatos sobre seu casamento com Luís, o qual considerou como apressado, diante á época o mundo estar passando pela II Guerra Mundial, já era noiva aliançada, iria se casar em 1945, porém Luis, então com 21 anos completos, seria convocado para a guerra, resultado: apressaram o casamento para que Luís não precisa-se ir a guerra.

Fizeram o casamento civil em 16 de outubro de 1944, e o religioso em 22 de outubro de 1944. Porém, 7 dias após o casamento Luis,  foi convocado para a guerra, levou então seus documentos, foi ao quartel na capital do estado, apresentou-se ao coronel, e contou seu motivo de não poder servir na guerra, além de ter se casado recentemente estava com seu pai idoso e muito adoentado, fez a inspeção e foi dispensado, para que pudesse retornar a Araruna e cuidar de sua esposa e de seu pai.

Antiga residência de Dona Lurdes Cavalcante, na comunidade "Lagoa dos Homens".
Foto: Wellington Rafael da Silva.
Luis após a dispensa, retornou a Araruna e o casal após o casamento iniciou seu trabalho na agricultura. O casamento de Dona Lourdes Cavalcante com Seu Luís Lucena de Macêdo, popularmente conhecido como Luis dos Santos, em 1944, gerou os seguintes filhos: Heronides, Edmundo, Irene, Maria do Socorro, Luzia (Luza), Antonio, Alfredo, Luís Filho e Eliane.

Dona Lourdes e seu Luís com o casal Maria (irmã de Lourdes) e Aluízio (irmão de Luis)
Luis Lucena de Macêdo e Dona Lourdes em julho de 1981.
        
Os amigos Seu Ismar Macêdo e Dona Luci Macêdo (in memorian) com
Dona Lourdes Cavalcante, década de 1980.
Encontro da Família Macêdo, Dona Lourdes e filhos.
Luis Filho, Alfredo, Antonio, Edmundo, Heronides, Dona Lourdes ,Irene, Socorro, Luza e Eliane, após falecimento de seu Luis em 1986.
Dona Lourdes com Heronides (in memorian), década de 1990.
Lourdes com sua irmã Alcina e o filho caçula Luís Filho.
Dona Lourdes relembra com emoção quando em 1946, o lojista de tecidos Joaquim Ferreira, de grande influencia política, ofereceu-lhe a oportunidade de lecionar no primeiro curso supletivo da cidade, onde prontamente aceitou e trabalhou por 7 anos, até 1952. Considera seu momento como educadora como de muita alegria, e uma satisfação imensa, lembra ainda que ainda mais jovem com apenas 13 anos, havia trabalhado evangelizando, catequizando, na Escola Supletiva de Lagoa da Serra.
Sentia que Deus havia lhe dado uma missão na vida, sentiu tamanha emoção e gratidão por estar trabalhando como educadora, que dividiu totalmente seu primeiro pagamento com pessoas pobres, que se encontravam em estado de calamidade.

Após isso, passou um período afastada da sala de aula, Lourdes retornou a trabalhar lecionando quando o líder político Benjamim Gomes Maranhão lhe deu uma nova oportunidade de trabalhar na mesma escola, durante o governo de João Agripino, que iniciou-se em 1966. Obrigações familiares e cuidado com os filhos a afastaram varias vezes do oficio de lecionar, mas seu esforço era sempre reconhecido. D. Lourdes lembra da grande euforia com que seu filho Heronides que na época possuía 12 anos, corria em sua direção com uma portaria  nas mãos, contendo uma terceira oportunidade de trabalho, desta vez concedida pelo jovem Deputado Estadual José Maranhão.

Os filhos de Seu Luís dos Santos e Dona Lourdes aprenderam sobre os negócios do campo com o pai divinamente, observando e trabalhando. Foram criados com proteção, amor e sobretudo aprendendo os valores da vida, como ética e respeito.

Dona Lourdes Cavalcante sentia que tinha uma missão de "distribuir alegrias", principalmente com os idosos e as crianças, para formar um clima de prosperidade e evolução, esta missão a levou a conhecer o Espiritismo, e com este pensamento foi a João Pessoa, onde conheceu o presidente da Federação Espirita Paraibana, Laurindo Cavalcante de Araujo que a orientou  através do evangelho. Iniciaram-se assim os cultos do evangelho em sua residencia, construída em 1952, no Sítio Amargoso estrada para o Sítio Jirau, onde o Senhor Luís Macêdo buscava as pessoas em sua caminhonete para assistirem ao culto e depois os deixava os de volta em casa. Este fato porém, não agradava ao Padre Joaquim de Sousa Simões, então pároco de Araruna, que ficava insatisfeito com a participação de católicos nestes cultos.

Lourdes Cavalcante entregando presente ao espirita Chico Xavier na década de 1980.
Dona Lourdes, com professora e alunos da Escola Bezerra de Menezes em 2011.
Dona Lourdes cortando bolo no aniversário e 25 anos da Associação
Espirita Kardecista de Araruna em 2000.
Em 1975, Laurindo Cavalcante autorizou a criação da Associação Espírita Kardecista de Araruna, fundada por Luís Lucena de Macêdo, onde também fora criada a Escola Bezerra de Menezes. Dona Lourdes relata que um médico de João Pessoa, chamado Luis, disse que ela e seu esposo Luis Macêdo de Lucena, eram almas gêmeas reencarnadas, por isto tanto companheirismo, tanta compreensão, amor e dedicação. Porém, no ano de 1986, Dona Lourdes ficou viúva, após o falecimento de Seu Luís, ausência esta muito sentida por ela e toda família, que recordam saudosamente do grande pai, esposo e amigo de todas as horas que o sempre foi segundo Dona Lourdes.

Em sua trajetória fez muita viagens, conheceu muitas pessoas e lugares, aprofundou-se em conhecimentos, guardando porém, com bastante carinho a recordação das visitas as cidades de  Uberaba, Mariana e Ouro Preto, em Minas Gerais, onde conheceu o grande ícone do espiritismo brasileiro Chico Xavier.
Dona Lourdes em Uberaba/MG, posando para foto provando da água benta da fonte. Década de 1990.


Dona Lourdes ao centro, o filho Heronides a sua esquerda entre outros, no Cristo Redentor/RJ na década de 1980.
Para Dona Lourdes, a alma cultiva e se desenvolve através de nossos atos, conquistando e adquirindo experiencias, sendo ela: "a fonte divina da partícula de Deus em nosso corpo passageiro vivo." 
A sua trajetória de vida é uma verdadeira testemunha vigorosa de fatos e acontecimentos da história de Araruna, do estado e do país. Acompanhou por exemplo, desde menina as vindas de Frei Damião a cidade, em suas andanças pelo Nordeste brasileiro; recorda de Araruna como a chamada "Rainha do Feijão Mulatinho", onde cerca de 50 caminhões de feira saiam todos lotados da cidade, tamanha a riqueza da safra de Araruna; acompanhou o processo de urbanização e modernização de Araruna, saindo de arruados primitivos para se tornar segundo ela: "Uma Araruna evoluída e beneficiada, por instituições como hospital, postos médicos, universidades, sendo justa e sincera as administrações de seu filho José Maranhão no seu olhar para com a sua terra."

Dona Lourdes Cavalcante se disse uma mulher realizada e agradecida por tudo que foi concedido em sua vida, externando as seguintes palavras:

"Ato de gratidão a Deus, por ter nascido neste pico da Serra da Borborema, que é a Serra de Araruna, doando a ideia de construir, desenvolver de amar e de se amar, só se ama quando se doa no ato, sabendo que o amor é Deus, para usá-lo em todos os momentos de nossa vida.
Agradeço aos pais que me educaram, pelo esposo que tive, pelos meus filhos, netos, bisnetos e trinetos, pelo sogro que tive e me recebeu como uma filha. Enfim, pelos amigos e por ter nascido em Araruna e pela missão que desempenho." 


Dona Lourdes Cavalcante, completou hoje 87 anos de idade, lúcida, empenhada nos seus afazeres domésticos, em suas costuras, na Escola Bezerra de Menezes, na Associação Espírita Kardecista de Araruna, e sempre com o coração aberto para compreender, orientar e adquirir mais conhecimento, além de acolher seus filhos, netos, bisnetos e trinetos, e incontáveis amigos, reside na Avenida Coronel Pedro Targino, nº 78 no centro de Araruna.