quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Histórico dos altares-mór da Igreja Matriz de N. Srª. da Conceição de Araruna/PB

    

Corpo do novo altar-mor de Nossa Senhora da Conceição. Registro de Carla Belke, 2022.

            Construída entre 1876, ano da emancipação do município, e 1907, durante os paroquiato dos padres Francisco Xavier da Rocha (1865/1882) e do Padre Joel Esdras Lins Fialho (1895/1906) e inaugurada sob a direção do Padre Francisco Targino (1906/1919), a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição na cidade de Araruna é um templo de grandes dimensões que a tornaram desde sempre imponente, sendo a maior igreja da Diocese de Guarabira e a segunda maior em tamanho o estado da Paraíba.

            Sua obra demandou uma grande quantidade de trabalhadores, seja nos serviços brutos seja no capricho de suas artes em alto relevo. Mestre Garcia, vindo de Bananeiras, participou da construção de alguns altares, sobretudo o mor. O altar, por sua posição nos templos, geralmente considerado o coração de uma igreja, era composto por um imenso retábulo de alvenaria e, de acordo com os octogenários remanescentes, possuía a prevalência das cores azul e branco, e era por muitos chamado de um "pedaço do céu". Originalmente, a Matriz da Imaculada Conceição possuía em seu interior um arco cruzeiro primoroso e cinco altares: o altar-mor da padroeira, os altares de São José e Santa Terezinha no presbitério, e nos corredores laterais os altares de São Sebastião e do Bom Jesus.

Registro raro do Apostolado do Sagrado Coração de Jesus, onde é possível contemplar o antigo arco-cruzeiro, os grandes arcos laterais e um púlpito. Na foto: Padre Joel, Padre Bandeira e Conêgo João de Deos. Fonte: Humberto Fonseca de Lucena 

            Concluído na virada do século XIX para o XX, em 1900, o retábulo da nova Matriz não teria vida tão longa: ao completar 54 anos, em 1954, justamente no ano do centenário de criação da freguesia, seria destruído. Sobre o que possuía o altar-mor, o Padre Francisco Bandeira Pequeno, na década de 1940, escreve no livro de tombo: Altar-mór com sacrário e chave de prata com as imagens seguintes Imaculada Conceição com coroa de prata; Sagrado Coração de Jesus; S. Sebastião; N. Senhora das Dores e N. Senhora do Carmo. 

Rara fotografia do altar-mor da Igreja Matriz, demolido em 1954. Na foto, entre outros,
 Benedito Correia no nicho central; Chico Cosme, abaixo, à direita, de paletó; mais acima,
 à direita, Henrique Pereira da Costa, com ferramenta à mão; ao lado esquerdo José Rodrigues; 
ao alto, Padre Joaquim. Fonte: LUCENA. H.F. 2000. pg. 109.

            Esta descrição faz crer que a imagem de Nossa Senhora da Conceição que compunha o nicho principal foi provavelmente adquirida na década de 1910 e que era encontrada em catalogo da mesma década de imagens francesas, décadas mais tarde seria inserida em uma gruta na lateral esquerda da matriz até nova retirada; além de ser esta imagem a possuidora de uma coroa de prata, desaparecida há alguns anos, e não a imagem primitiva de 90 cm, feita de madeira, que fazia parte do contexto da freguesia desde os tempos da ereção da matriz velha, atual Capela de Santo Antônio. "Altar novo, imagem nova, nicho grande, imagem grande", assim deduzo.  

         Foram passando-se as décadas e chegaríamos nos anos 1950, quando encontraríamos a figura do Padre Joaquim Simões, jovem e entusiasta dos pensamentos que lhe foram contemporâneos e, tendo chegado à paróquia em 1953, empreenderia uma grande reforma durante o centenário da freguesia. Por aprovação do Arcebispo da Paraíba, D. Moisés Coelho, aos 21 de janeiro de 1954, é iniciado o grande trabalho de reforma da matriz, o que descaracterizaria para sempre a essência arquitetônica original da igreja como nos conta o Professor Humberto Fonseca de Lucena no livro "A Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Serra de Araruna":

"Nessa intervenção foram destruídos o altar-mór, dois laterais laterais, [...] e os dois altares que ficavam na nave central, à entrada da capela-mór, [...] que estreitavam muito a referida entrada. Foram também destruídos os grandes arcos laterais, substituídos por duas fileiras de colunas na nave central, com a consequente demolição dos pavimentos superiores das galerias. Foi removido o púlpito de cedro e demolido os contrafortes laterais, chamados de "gigantes", que compunham a fachada. O formoso e artístico altar-mor, em alvenaria que se assemelhava ao altar-mor da atual Basílica de Nossa Senhora das Neves, em João Pessoa, foi substituído por um altar litúrgico, em mármore, o que significava a introdução de elemento de uma tipologia que nada tinha a ver com a arquitetura original". (2000, pg. 105, 108).

                Havendo no Padre Joaquim a intenção de reformar a igreja, poucos consideraram nocivos seus propósitos:

“Embora todos achassem temerária a idéia de mexer com a estrutura original, as pessoas aceitaram as ponderações do Padre Joaquim. Ele argumentava que a capela-mor era quase completamente fechada, de ambos os lados, e muito mais estreita que a nave central. As grossas e gigantescas arcadas separavam a nave central dos corredores laterais impediam que as pessoas ali acomodadas divisassem o altar-mor, para o acompanhamento das cerimônias. Em que pesem as boas intenções do pároco, a reforma da igreja, [...] nos parece injustificável. Infelizmente naquela época, em Araruna, não havia consciência de preservação do patrimônio público. Pouca gente ousou questionar a obra do vigário”. (LUCENA. H.F. 2000. Pg.105.).

             As paredes grossas da igreja que continham as molduras em alto relevo nos dois pavimentos, além de um belíssimo púlpito, foram removidas para dar lugar a colunas, estas eram quase todas de cimento armado oferecem mais espaços e mais luz. No trabalho de reconstrução foi necessário destruir o forro da capela-mor e o da nave. Os pináculos que haviam na fachada da igreja, além dos gigantes de sustentação também foram destruídos, afora do acervo de imagens ter sumido ou desaparecido, poucas sobraram deste período.

Aspecto do interior da matriz após destruição do altar-mór.
Observa-se o crucificado inserido na parede e as colunas que substituíram
as antigas arcadas. Fonte: Família Pinto Cãmara. Década de 1950. 

    Com o apoio da comunidade, a obra aconteceu e todos os detalhes mencionados acima foram destruídos: no lugar do retábulo do altar-mor foram construídos degraus que foram sobrepostos de maneira triangular e que ficariam conhecidos popularmente entre os fiéis como “altar dos batentinhos”; foi também adquirida uma mesa litúrgica, e na parede limpa inserido o crucificado. Em 1959, foi adquirida uma nova imagem da padroeira, desta vez doada pela senhora Nautília Targino. A descrição do altar construído após a demolição do original é descrita pelo Padre Joaquim Simões no livro de tombo da paróquia:

“Aos oito de dezembro de 1959, por ocasião da festa da padroeira, 8 de dezembro, foi inaugurado o novo altar mór da matriz todo de mármore e litúrgico. Custou em São Paulo na Marmoraria Posta LTDA a importância de seiscentos mil cruzeiros, sem contar com a despesa do transporte e assentamento. Foi feito com o altar o piso do presbitério todo em granito custando cada metro quadrado a importância de 390,00 em Recife. O Cristo que fez parte da compra do altar foi pago com as generosas esmolas do povo da vila de Riachão. O sacrário foi pago pelo dadivoso povo da cidade de Tacima. O restante foi pago com esmolas do povo em geral. O referido altar, depois de pronto, atingiu a importância de quase oitocentos mil cruzeiros. A nova imagem da Padroeira que foi dádiva de Dona Nautília Targino de Morais custou 14.000,00 (catorze mil cruzeiros). Foi a maior aquisição feita em toda a história da vida da paróquia de Araruna. Para o belo altar mor D. Chiquinha Gomes contribuiu com dez mil cruzeiros.


Registro do livro de tombo. Década de 1950. Fonte: Paróquia de Nossa Senhora da Conceição.


Registro do casamento de José Moreira Filho e Maria Helena de Brito em 1973, observando a mesa litúrgica, os batentes e o crucificado introduzidos em 1959. Fonte: Acervo da família Brito Moreira

            Padecia simbolicamente, a Padroeira de Araruna, Nossa Senhora da Conceição, sem possuir no interior da matriz um lugar digno de sua relevância histórica para a constituição deste território. Estava o modernismo implodindo as tradições da Igreja Católica Apostólica Romana de dentro para fora, associado às estratégias adotadas pós Concilio Vaticano II (1962/1965), em que algumas delas já impregnadas pelo Padre Joaquim Simões anos antes. A simplicidade nos detalhes (considerados pelos modernistas como opulência), que antes permeavam o lúdico e essência da religião, davam ao século XX o tom do fim da beleza.

Padre Joaquim durante Primeira Comunhão das crianças Jefferson e Jansem Targino, nos anos 1970.
Ao fundo mesa litúrgica e escadaria inseridos em 1959. Foto: Acervo de Dona Rita Ana.

             Falecido em 1999, o Monsenhor Joaquim Simões não alcançou a nova reforma que a igreja receberia. Encontrando-se a matriz em péssimas condições físicas, receberia logo uma solução: estava ocupando o Governo da Paraíba, um filho de Araruna, José Targino Maranhão, e partiria deste a ação de reformar o templo católico no ano 2000, bem como a Capela de Santo Antônio em 2001. Ambos tombados pelo IPHAEP (Instituto do Patrimônio Histórico Artístico e Arquitetônico da Paraíba) em 1999. A imponente Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, já com novos ares pós reforma, seria elevada à condição de santuário em 2001, pelo Bispo de Guarabira Dom Antônio Muniz.           

             Embora submetida a grande melhoria que a salvou de uma situação degradada, a Igreja Matriz de Araruna ainda possuía uma grande ausência: um altar-mor. O altar litúrgico inserido em 1959 foi substituído por um imenso retábulo de madeira que se assemelhava mais ao estilo arquitetônico protestante do que católico. Não teria, ainda, a imagem da Padroeira de Araruna um espaço que a pudesse comportar. O povo católico solicitou à paróquia que pelo menos o crucificado fosse colocado no retábulo, para que pudesse diminuir o aspecto frio que se encontrava, e assim continuou por longos anos.

            Durante o paroquiato do Padre Nilson Nunes, receberiam as imagens da Padroeira Nossa Senhora da Conceição algumas destinações: A antiga, adquirida no século XIX, foi inserida em um improvisado e moderno nicho colocado no retábulo de madeira; a imagem maior, adquirida provavelmente na década de 1910, foi colocada em uma gruta ao lado esquerdo da matriz, próxima a casa paroquial; enquanto que a imagem doada por Dona Nautília Targino em 1959, restaurada durante o paroquiato do Pe. Cícero Roberto, foi colocada no nicho do frontispício na fachada da igreja.

Retábulo de madeira construído pelo Governo do Estado na reforma de 2000. 
Posteriormente a cruz foi substituída pelo Crucificado. Fonte: Fundação Casa de José Américo.

Momento eucarístico do Padre João Firmo (2009/2017), com o retábulo de madeira inserido na reforma promovida pelo governo do estado em 2000, nele já constando o crucificado e um nicho improvisado para a primitiva imagem da padroeira. Foto: Paroquia de Nossa Senhora da Conceição

            Já passadas quase duas décadas do século XXI, a falta da beleza primitiva, original e essencial que foi removida e destruída de nossa matriz nos primeiros anos da segunda metade do século XX, foi sentida pelo Padre João Firmo que empreendeu melhoramentos no interior do templo, como pintura das colunas e também dos locais onde estavam inseridas as imagens. Na realidade, o Pe. Firmo, sentia falta de algo que pudesse cativar e encantar aos olhos de quem adentrasse na matriz.

            No ano de 2017, com um novo pároco, o Padre Jardiel Satyro, após ter recebido pedidos de melhoria no retábulo de madeira que estava acometido pela praga do cupim, colocando em risco a vida de quem estivesse no presbitério, percebeu qual a joia faltante, para a “Senhora da Paz” e "Rainha de Araruna”: o altar. Como tinha o padre que fazer algo, acabou se convencendo, ou sido convencido, de realizar uma obra de remoção do retábulo de madeira. Na condição de historiador, o procurei pessoalmente com um ofício em mãos em nome da Cultura ararunense, apresentando foto do retábulo original e solicitando-o um "resgaste" para substituição do paredão de madeira. 

Registro de encontro do Monsenhor Nicodemos (ao centro), Padre Justino e do Padre Jardiel Satyro (ultimo a direita) com comunidade da paróquia, entre eles:  Dona Mirtes, Profª Dorotéia, Lídia Costa, Múcio Macêdo, Ricardo Macêdo, Mateus Fernandes e o historiador Wellington Rafael , propositor da construção do altar. Ano 2019. Foto: Paróquia de Nossa Senhora da Conceição.  

           
Reunião técnica de membros da Prefeitura de Araruna, Paróquia de N. Sr.ª da Conceição com o IPHAEP. Entre os presentes: Entre outros: Wellington Rafael, Fábio Veriato da Câmara, Padre Jardiel Satyro, a presidente do IPHAEP, Cassandra Figueiredo e Prefeito Vital Costa. Registro de junho de 2019. Fonte: manchetepb.com

              A sensibilidade do Pe. Jardiel com a história da igreja, da ausência do altar, e sobretudo, de um lugar digno para a Padroeira, o fizeram encabeçar uma empreitada visando uma nova construção. Procuraria o padre apoio nas experiências realizadas noutras igrejas, foi o caso de Guarabira, onde na Catedral de Nossa Senhora da Luz, o belo altar foi destruído no final dos anos 1970 e havia conseguido realizar a construção de um praticamente idêntico. Conhecedor do exemplo da catedral sede da Diocese, o padre buscou a permissão do bispo, contratou arquiteto e o escultor João Numero, de Roma em Bananeiras/PB e foi juntamente com equipe técnica solicitar ao IPHAEP na capital do estado, a autorização para construir um novo altar para Nossa Senhora da Conceição com características que remontassem o original. Além disto, consultou a comunidade de sua paroquia para informar os problemas do retábulo de madeira e as medidas que seriam adotadas. Durante a construção da obra, foi observada a necessidade de serem construídas 6 colunas adicionais no presbitério, devido a problemas com rachaduras nas já existentes. Com a construção do altar, o crucificado foi removido para localização em que figurava, em parede lateral do lado esquerdo da matriz, de frente ao belo Espírito Santo de madeira, no lado direito.

            Após a burocracia necessária, a produção de um memorial descritivo da história igreja foi feito e entregue ao órgão do patrimônio histórico. Com a autorização concedida, a obra poderia ser iniciada, com apenas duas restrições: o novo altar-mor, de acordo com o setor de bens patrimoniais do IPHAEP, não poderia ser construído exatamente igual ao original, caso contrário, caracterizaria “falso histórico”; além de se pedir que nele contivesse esculpido o ano da inauguração da obra, no caso "2022". Como  na única foto que se tem acesso do altar original ele já estava parcialmente destruído, não havia possibilidade de construir um totalmente fidedigno. Assim, os requisitos foram cumpridos e as obras iniciaram. No entanto, a remoção do retábulo de madeira e da sacristia que funcionava por detrás dele demorou cerca de 2 meses para somente depois se efetuarem os trabalhos de construção do novo altar. 

Padre Jardiel Satyro ajudando na remoção do retábulo de madeira, comprometido
 pela praga do cupim. Foto: Paróquia de Nossa Senhora da Conceição.

Monsenhor Nicodemos e Padre Jardiel planejando a construção do altar-mór,
Acima dele o escultor João Numero, a direita) faz os traçados de sua obra.
 Foto: Wellington Rafael. 19 de agosto de 2019.  
Construção do altar-mor em outubro de 2020. Foto: Wellington Rafael. 

Escultor João Numero durante seu ofício, na foto, detalhando base das colunas.
Foto: Wellington Rafael da Silva. Outubro de 2020.

  

     Foi aí que realizei uma consulta técnica sobre os estilos arquitetônicos sacros e constatei, com apoio de técnico da Universidade Federal do Ceará ligado à arquitetura sacra, que nosso altar possuía estilo neoclássico. Por não mais haver a matriz a presença do antigo arco cruzeiro, o altar ficaria disforme de acordo com o espaço do presbitério, caso fosse feito na mesma largura, então, por isso, como característica principal que o destoasse do original, foi escolhida a adição de dois novos nichos, um para São Sebastião, co-padroeiro, e outro para Santo Antônio, remontando a tradição cristã inicial do município, através da Capela em que é padroeiro. Desta forma, o altar adquiriu a largura necessária para  compor bem o espaço ocupado, e, diferente do original, o novo não estaria diretamente construído encostado com as paredes do templo, mas sim, com um espaço entre eles, para apoio dos religiosos durante as celebrações. 

                Em muito contribuiu no processo de feitura do altar-mor os diálogos que tive com o conterrâneo Rivaildo Santos, radicado no interior de São Paulo, e que já fez parte diretamente da vida da paroquia na década de 1990. Dele obtive muitas informações e detalhes sobre a matriz, e isso muito auxiliou em diversas características inseridas no alto relevo do altar-mor. Foi a partir destes diálogos que  a obra foi acontecendo. Todas as conversações mencionadas culminaram nos detalhes em alto relevo realizados pelo senhor João Numero.

                    Sobre as características do altar-mor, pode se dizer que em seu coroamento este possui um topo arredondado, um nicho com formato triangular e um coração esculpido, detalhes similares ao altar original, bem como adornamentos em colunas e pináculos, onde recebeu a imagem do Sagrado Coração de Jesus, adquirida pelo grupo do Apostolado do santo. O corpo do altar possuí 4 colunas com capitéis estilo coríntio, suas bases possuem florões idênticos aos originais, também detalhados na base, e espaços para os nichos de São Sebastião e Santo Antônio, e no centro o nicho principal da padroeira, em que constam as 12 estrelas no arco, simbolizando os apóstolos de Jesus, colunas rodeadas com cachos de uvas que remetem ao primeiro milagre de Cristo, a transformação da água em vinho e, um "M" Mariano no topo simbolizando a própria Maria. Na base tem-se em alto relevo os símbolos do Alpha e do Ômega, um livro simbolizando a sabedoria, e sandálias representando a humildade. Além do espaço destinado a inserir-se imagem do Senhor Morto, que compunha a 5ª das imagens, 2 anjos e imagens de São Pedro e São Paulo seriam acrescentados no decorrer dos meses. Valioso destacar que o paroquiato do Padre Manoel teve a importante ação de encomendar a restauração da maior parte do acervo das imagens da matriz, incluindo as três imagens da padroeira mencionadas acima, e outras.    

                    O artista João Numero nasceu em 1954, ano da destruição do altar da matriz ararunense, que havia sido construída por um bananeirense, o Mestre Garcia. Isso despertou no senhor João um esmero ainda maior na obra realizada, pois disse ser missão de Nossa Senhora da Conceição que alguém nascido no ano da remoção de seu altar e de mesma origem do escultor inicial fizesse o primoroso trabalho. Desta forma sucederam os detalhes, e entre tantas obras realizadas pelo escultor, foi este altar a maior das obras em décadas.  

                    No inicio do ano de 2020, a humanidade foi acometida de uma pandemia global da Covid-19, que ceifou a vida de milhões de pessoas no mundo inteiro, sendo combatida por cerca de 2 anos. Tal lastimável fato acabaria causando prejuízo no andamento da obra, pois entre 2020 e 2021 pouco foi realizado, e o recolhimento dos dízimos havia também, devido uma crise econômica decorrente da doença, diminuído. Teríamos também no ano de 2020 a remoção dos Padres Jardiel e Justino da paróquia, e com isso, assumiria provisoriamente o vigário de Dona Inês, Pe. Gaspar Rafael, até que em 2021, seriam direcionados para a Paróquia de Araruna os Padres José Manoel da Silva Irmão e Damião Edmilson Gonçalves, que teriam a missão de conduzir os destinos da paróquia e o andamento das obras do altar.  

Artistas Yderlan e Francimar durante pintura do altar-mor. Primeiros meses de 2022.
Fonte: Arte Sacra Yderlan


                 Com a chegada do Padre Manoel e a flexibilização das restrições causadas pela pandemia após as vacinas, os trabalhos do altar retornaram. João Numero estaria na labuta final em dezembro de 2021: já havia realizado o embelezamento do coroamento e corpo do altar, finalizaria a base. Em 2022 foi chegado o momento da pintura, acabamento feito pela "Arte Sacra Yderlan", representada pelos artistas Yderlan Almeida (Paulista/PB) e Francimar Silva (Jericó/PB). As cores foram escolhidas por uma equipe escolhida pelo padre em reunião. A pintura recebeu no nicho da padroeira uma predominância da cor azul, por ser esta a cor original de parte do retábulo original e ser principal cor relacionada à santa.  Demais tons foram escolhidos de maneira técnica pelos profissionais responsáveis.

              Após toda a parte burocrática e remoção do retábulo de madeira em anos anteriores, as obras de fato foram iniciadas em 2019, com término em 2021 e detalhes finais em maio de 2022. No dia 31 do mês de Maria, em maio, recebeu a Padroeira de Araruna, Nossa Senhora da Conceição, em um  emocionante momento de celebração seu entronamento. Foi um momento importante para a vida cristã do município, pois a própria existência da cidade surgiu através da devoção à padroeira. Milhares de paroquianos aguardavam ansiosamente este momento.

Padre Manoel momentos antes da Padroeira ser entronada no altar.
 Foto: Paróquia de Nossa Senhora da Conceição.

Padre Manoel e Padre Damião após a colocação da imagem da padroeira e demais imagens
no retábulo do altar-mor. Foto: Paróquia de Nossa Senhora da Conceição. Maio de 2022. 

                       A data de 8 de dezembro de 2022 se tornou um momento histórico para a paróquia, por estar nela contida, após 68 anos, a imagem da Padroeira Nossa Senhora da Conceição no nicho de seu altar. Os paroquiatos de Padre Jardiel e Padre Manoel foram os responsáveis por este empreendimento. Quicá possamos ver no futuro construídos os altares laterais e outros detalhes que compunham a arquitetura original da matriz, até mesmo em memória ao Monsenhor Joaquim de Sousa Simões, que se arrependeu da demolição do altar, dizendo que foi direcionado pelo "fogo da juventude". Acostumados a perder patrimônio, desta vez ganhamos, afinal, como a igreja é tombada, seu altar automaticamente também o é.

Nova configuração do presbitério pós construção de novas colunas e do altar-mor.
Registro de Carla Belke. 2022.

Nicho da Padroeira Nossa Senhora da Conceição. Foto: Carla Belke, 2022. 

Por: Wellington Rafael

Fonte; LUCENA. H. F. A Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Serra de Araruna. 2000. 

sábado, 26 de junho de 2021

Memórias de Araruna: recordando o Sargento Alcides Nobre

Francisco Alcides Nobre
    Francisco Alcides Nobre, nasceu no município de Barra de Santa Rosa - PB, no dia 12 de agosto de 1925, sendo filho de Raimundo Alves dos Santos e Maria Alves Nobre, conhecida como "Maria Raimunda",  sendo um dos 8 filhos do casal, que ainda tiveram os seus irmãos: Helena, Marli, Augusta, Josefa, Nevinha, Chico e Paulo, que conviveram com seus pais durante sua infância no sítio Melo, em Cuité - PB, e também na zona urbana da terra em que nasceu. Interessante destacar, que a mãe de Alcides Nobre, a dona Maria Raimunda, foi parteira, e pelas suas mãos dezenas de ararunenses vieram ao mundo.

O senhor Alcides Nobre foi sem dúvidas um dos maiores nomes da cultura ararunense, mediante  as décadas que comandou a banda de música local em que foi maestro. Entretanto, não se tem notícias de como foram suas influências musicais para adentrar neste segmento artístico, mas o que se sabe, é que por volta da década de 1950, fez o concurso público da Banda da Polícia Militar da Paraíba, instituição atualmente com 151 anos de existência, onde tornou-se participe do convívio musical. Desta banda veio para Araruna e por aqui se fixou, quando foi transferido em 1962. 

Casou-se com a senhora Cìcera Targino Silva Nobre, com quem teve os seguintes filhos: Aristóteles, Aristomar, Ariosmar, Adna, Adione e Alcidemar. Chegou a ensinar música a quase todos os filhos (Somente Adione não se entusiasmou em aprender), dois deles, Adna (sax-alto) e Alcidemar (trompete), devotaram-se assim como o pai no oficio musical. O maestro inseriu sua filha na banda, tornando-se a primeira mulher a compor os quadros da briosa banda. Nas palavras da filha do maestro: "a música para ele era tudo, era a vida dele". 

Alcides Nobre durante sua juventude

Banda de Musica da Polícia Militar da Paraíba, década de 1950. Alcides Nobre é o quinto da direita para a esquerda na segunda fileira.


Disciplinado e regrado, o maestro Alcides aprendeu a ler as partituras e a tocar de ouvido, compôs dezenas de arranjos, costumava acordar por volta das 7h da manhã, sentava-se em uma cadeira na cabeceira da mesa e ali ficava por horas ensaiando e estudando novos arranjos e solfejos. Foi um grande valorizador das composições de outros músicos. Teve como grande qualidade o fato de conseguir copiar as músicas e ensinar a seus alunos, uma tarefa que demandava muita pratica e conhecimento, em tempos onde não se existia uma máquina de xerox por perto. 

Em suas aulas, era exigente e cobrava dos alunos compromisso, iniciando pelos horários. Se determinado aluno se atrasasse 1 minuto já era o suficiente para o Sargento Alcides o dispensar e exigir que na próxima vez chegasse  cedo. 

Músico dedicado e exigente, Alcides adquiriu experiência e domínio em diversos instrumentos, mas tornando-se especializado no trompete. Foi maestro na terra que o adotou, Araruna (PB), durante a administração do prefeito Alfredo Barela (1960/1963) e continuou nas gestões seguintes, passando 31 anos ininterruptos a frente da Banda de Música de Araruna. Além do prefeito Barela, o sargento Alcides participou nas gestões de Targino Pereira da Costa Neto, Mentor Carneiro da Fonseca, Wilma Targino Maranhão, Maria Celeste Torres da Silva e parte da segunda gestão de Wilma Targino Maranhão, quando o maestro se desligou da banda em 1990, indicando o companheiro Antônio Pereira Lima, "Veinho", para substituí-lo. 

Diversas foram as contribuições das regências do Sargento Alcides Nobre a frente das bandas de música, além de maestro em Araruna, foi também maestro na banda de música da cidade de Nova Floresta (PB), a convite do então prefeito Menézio Dantas na década de 1960; em Cacimba de Dentro (PB), convidado pelo prefeito Antônio Gomes de Sousa (Totonho) na década de 1970; em Nova Cruz (RN) na gestão do prefeito Targino Pereira da Costa Neto na década de 1980, com quem já havia trabalhado anos antes. 

Sargento Alcides e a banda de musica na década de 1960.

Cópia do dobrado Prefeito Menézio Dantas de Nova Floresta, datado do dia 18 de dezembro de 1968.


Cópia de dobrado de Cacimba de Dentro, datado do dia 09 de julho de 1974. 

          Maestro Alcides Nobre, Banda de Música 12 de Agosto, secretário Nivaldo Fonseca e a então prefeitura de Araruna ao fundo. Registro de 1962.

Apresentação da banda de música de fronte a praça Getúlio Vargas e prefeitura municipal. Na foto: Secretario Nivaldo Fonseca, Deputado Estadual José T. Maranhão, Professor Arnaldo Rodrigues, Prefeito Alfredo Barela e Sargento Alcides Nobre. Registro da gestão do prefeito Alfredo Barela (1960/1963). 

Maestro Sgtº. Alcides Nobre e banda de musica na Avenida Epitácio Pessoa,
com o Ginásio Pereira da Silva ao fundo. Década de 1960. 

Banda de Música 12 de Agosto, na praça Rio Branco, de frente para o mercado velho, na presença do prefeito Agenor Targino (1969/1972). 

Banda de Música 12 de Agosto, no dia 7 de setembro de 1975.
No centro o prefeito Antônio Martins de Sousa, o Sargento Alcides Nobre na lateral direita. 

Maestro Sgtº. Alcides Nobre tocando seu trompete, com a Banda de Música 12 de Agosto, passando pela Rua Solon de Lucena. 

Banda de Música 12 de Agosto, tocando durante as comemorações alusivas ao feriado de 7 de setembro, de frente a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, no ano de 1976. 

Maestro Alcides Nobre com a Banda 12 de Agosto. Ao fundo Clube 31 de Janeiro.
Data imprecisa, provavelmente nos primeiros anos da década de 1980. 


Precioso registro do Maestro Alcides com sua mãe, Dona Maria Alves Nobre (Maria Raimunda, parteira), e a Banda de Música 12 de Agosto na década de 1980.

Sargento Alcides e Banda 12 de Agosto sobre a PB-111, com a Escola Estadual Benjamim Gomes Maranhão ao fundo. 

Prefeita Celeste Torres, secretário Luís Torres, Maestro Alcides Nobre e Banda 12 de Agosto na praça João Pessoa.


Sargento Alcides Nobre com a Banda 12 de Agosto na Avenida Epitácio Pessoa, ao fundo o infelizmente demolido casarão de Alfredo Moreira. Data: 10 de junho de 1986. 


Maestro Alcides e Banda 12 de Agosto na Rua Antônio Carneiro. Provavelmente dos primeiros anos da década de 1990. 

A respeito da passagem do Sargento Alcides no comando da Banda de Música de Araruna, o professor Humberto Fonseca de Lucena nos diz: "A passagem do maestro Alcides Nobres deixou marcas indeléveis na história da banda de música de Araruna, não só por sua longa permanência, mas pela dedicação, pelos ensinamentos e pelos esforços em favor do crescimento e manutenção da corporação." 

Quando emergiu na história  da banda de musica local, encontrava-se a instituição sem uma identidade, desconhecia-se inclusive seu próprio nome, "Pedro Vieira Zominho", a quem homenageava seu primeiro maestro, através de uma lei de 1947, do prefeito José Gomes Maranhão Filho. Na década de 1960, nem prefeitura, nem câmara, membros da banda ou a sociedade como um todo, recordava deste detalhe. Desta forma, o maestro Alcides Nobre imprimiu na banda de música de Araruna seu modus operandi, batizou (ou rebatizou) a banda de música com o nome de "12 de Agosto", data do seu aniversário, e que embora a lei de denominação nunca tenha sido revogada, ficou na prática este sendo até a atualidade a denominação utilizada como oficial pela banda. 

Neste município o maestro Alcides Nobre foi o primeiro a formar uma banda marcial mista, o que em décadas passadas era bastante inovador, além de ser o coordenador dos desfiles de 7 de setembro da respeitada instituição de ensino, o Ginásio Pereira da Silva.

Foi autor de diversas composições, dentre elas "Araruna no Frevo", de 1963, do bolero "A vida é assim" e o dobrado "Prefeito Mentor Carneiro". Juntamente com o senhor Teobaldo de Lima Fonseca (letra) e do tenente José Alves (musica e arranjo), o maestro Alcides Nobre contribuiu na criação do "Hino a Araruna" em 1984, um dos mais importantes símbolos municipais, e no final dos anos 1990 compôs o dobrado 12 de Agosto. 

Respeitado pelos músicos, formou gerações no município, que acabavam muitas vezes, participando algum período da formação da Banda 12 de Agosto. Conviveu com grandes nomes que já integraram a banda municipal, dentre outros: Pedro Rafael, Veinho, Pita, Luis do Padre, Zé de Nô, Josias e João de Dina. 

Em outubro de 1990, devido problema de saúde, que vinham se agravando, o Sgtº Alcides se desligou da Banda de música, necessitava cuidar de si mesmo, ele sofria de um atrofiamento no cérebro, que prejudicaram sua fala e coordenação motora. Encerrou a vida em cima de uma cadeira de rodas, sentia tonturas e esquecimento. Após anos em reclusão doméstica, aos cuidados da família, chegou a falecer no dia 1º de outubro de 2003, aos 78 anos de idade. 

Embora de sua perda, permanece a presença do Sargento Alcides  muito marcada no lúdico e memória dos ararunenses, afinal foram décadas de seu comando na labuta de seu oficio, com que conduzia literalmente com maestria.  

Livro para estudo "Celebre Solfejo" que pertenceu ao maestro Alcides.

Cópia de "Araruna no frevo".

                                                                Dobrado "Dois Corações".


Cópia do bolero "A vida é assim". 

Hino a Araruna, 1º de janeiro de 1984. 

Relação de quepes da banda de música. Ano de 1987.  


Dobrado Manoel Luis, cópia de Açcides Nobre em 21 de agosto de 1995.

Meus sinceros agradecimentos a filha do Maestro Alcides Nobre, a professora e saxofonista Adna Silva Nobre, que gentilmente me cedeu material e repassou informações.

Referência mencionada: LUCENA, H. F. Notícia histórica sobre a Banda de Música de Araruna. João Pessoa/PB. 2011. 

Por: Wellington Rafael







quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Memórias de Araruna: trajetória de vida da centenária Maria Afra de Lima


Maria Afra de Lima
 Maria Afra de Lima nasceu em Araruna - PB, no dia 24 de maio de 1917. Filha do senhor Joaquim Alexandre Neto e da senhora Francisca Carmen dos Santos, seus pais eram de São Vicente, no estado do Rio Grande do Norte e costumavam vir à Serra de Araruna nos tempos de seca para arrendarem terras e trabalharem na agricultura.

Nestas idas e vindas do casal, nasce Maria Afra, a terceira de sete irmãos, sendo eles: Chico, Manoel, Augusto, Vicência, Elias (conhecido por Guedes) e Sebastião, o único vivo além de Maria Afra. Com apenas 1 mês de vida a pequenina já teve que acompanhar os pais no retorno a cidade potiguar, carregada pela mãe em uma tipoia, que é um tipo de pano ou lenço preso para carregar um braço doente ou uma criança pequena. Antes de partir foi necessário se fazer o seu batismo, o mesmo foi realizado pelo antigo e conhecido Padre Joel Esdras Lins Fialho que estava à frente da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição à época. 

 

Vivendo com os pais e irmãos em São Vicente, onde estudou até o 4º ano primário, lembrava o nome de um de seus professores, chamado Antônio. Maria Afra só retornaria para sua terra natalícia aos 13 anos de idade em 1930. Em suas memórias ela recorda que todo o trajeto era feito a pé e de burro, onde as pessoas andavam por vários dias se deslocando de cidade em cidade, dentre elas, Santa Cruz/RN, tendo como paragens as casas de algumas pessoas que acolhiam os viajantes, ranchos ou tendo como escolha se abrigar debaixo das arvores, quanto a alimentação, esta era improvisada sendo cozido em banha de porco em latas de gás. Era uma verdadeira jornada e aventura, a distância das duas cidades equivale a mais de 160 km nos caminhos das estradas e rodagens atuais.

Neste retorno da família para Araruna, a senhora Francisca decide nela se estabelecer e morar em definitivo, este desejo fez com que seu esposo, o senhor Joaquim consentisse mas não a permitisse mais de retornar para São Vicente. Neste período a família arrendava terras nas proximidades do sítio Maniçoba a um senhor chamado Firmino. 

Em 1939, aos 22 anos de idade, casava-se com Antônio de Pádua (25 anos), mas antes disto, teve que passar por situações que confrontavam esta união. Ao saber do namoro, o seu pai Joaquim em prontidão proibiu, um dos seus tios, ainda morador no Rio Grande do Norte a convidou para lá morar, onde a receberia para que fosse embora de Araruna e não se envolvesse com o rapaz. A opinião contrária de seu pai pesaria muito neste processo. Foi daí que um personagem da história ararunense deu sua contribuição para que se pudesse solucionar este imbróglio afetivo e amoroso. Tratava-se do Padre Francisco Bandeira Pequeno que aconselhou Antônio: "Antônio como você ama Maria e vai deixar ela ir embora? Tome uma atitude! Carregue ela que eu faço o casamento!".   

Lembrança dos "Batutas da Meia Noite", sendo o senhor Antônio de Pádua o terceiro sentado da esquerda para  direita. Registro de 03 de março de 1940.


O conselho do Padre Bandeira foi efetivo, Antônio então tomou sua decisão e combinou este rapto consentido com a amada Maria Afra.  Chegando o horário da janta, a sua amiga Maria Tomás, conhecida por "Maria Maribondo" foi lhe avisar do local em que Antônio a estava esperando. Assim, Maria diz a mãe "Vou na casa de Padrinho Vil e madrinha Benigna", ela iria na verdade era desviar do caminho e ir se encontrar com o seu amado, nisso passava o tempo e nada da filha voltar pra janta. 

Maria em seu plano com Antônio, entrou nos fundos da casa do senhor João Toscano, na Avenida Semeão Leal, saindo pela frente da casa na atual rua Perilo de Oliveira, onde seu namorado a esperava, e lá partiram para uma casa na rua Castro Pinto, que pertencia a Antônio Carneiro que posteriormente foi na casa dos seus de Maria para informar-lhes do acontecido, e assim se consumou a aventura, tendo sido "carregada", "Maria fugiu". 

Isto ocorreu no dia 4 de julho, mesma data de aniversário da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Serra de Araruna, e o seu casamento se realizou 11 dias depois, no dia 15, pelo Padre Bandeira. O pai de Maria, o senhor Joaquim rejeitava a ideia desta união pelo fato de Antônio ser um "homem de cor", menosprezando as características do rapaz que era servidor público da Prefeitura de Araruna, trabalhando como escrevente para o Prefeito Demóstenes Cunha Lima, utilizando as canetas de pena e o tinteiro como objetos da labuta, além de ser um membro da Banda de Música em que tocava pistom. Joaquim teve tanto desgosto da união que disse: "Ela saiu, deixe ela lá, isso foi como se um pedaço de dedo meu fosse cortado"

Este afastamento perdurou por muito tempo, até que em uma oportunidade, a dona Francisca resolveu fazer o seu esposo falar com a filha, onde pediu que Maria ficasse escondido por trás de uma moita de tomates para abordar o pai e lhe pedisse a benção, a astucia funcionou. 

Seu marido Antônio foi um assíduo frequentador do  Clube Recreativo 14 de Julho, participando principalmente de jogatinas, onde sua habilidade nos jogos o fez ser patrocinado em muitas ocasiões por Pedro Targino Sobrinho, jogando por ele que lhe alicerçava com o dinheiro.  

Dona Maria Afra e amigos durante confraternização.
Dona Maria Afra e Padre Assis, durante missa na Igreja Matriz na década de 1990. 


Casada, tendo sua casa e família para cuidar, Maria Afra passou muitos anos trabalhando como dona de casa, esta localizada na atual Avenida Coronel Pedro Targino, sendo uma casinha modesta e de taipa, onde inicialmente o casal dividia uma rede, e posteriormente compraram uma cama. Da união foram gerados os seguintes filhos: Izelda, Hugo, Ivanilda, Dalva, Afrânio e Socorro. Dentre eles surgiram 2 professoras, 3 escrivãos de polícia e uma revisora do jornal a União, estes foram os filhos vivos, ao todo ela teve 15, mas que não chegaram a sobreviver. 

A vida assim foi seguindo até a chegada do dia 15 de agosto de 1962, dia da Festa da Boa Vista, comemorada no município, onde o senhor Antônio Pádua veio a falecer aos 48 anos de idade. Somente após a morte do marido, ela recebeu a visita do seu pai em sua casa. Agora viúva, dona Maria Afra nunca mais quis se casar, seu foco era somente o de cuidar da sua família, sem a presença do esposo, ela começou a trabalhar como auxiliar de serviços gerais no Grupo Escolar Targino Pereira até se aposentar compulsoriamente aos 70 anos de idade em 1987, quando retorna a sua vida de dona casa, onde acordava cedo para aguar as plantas e ir religiosamente a feira livre aos sábados, até enquanto a idade lhe permitiu.  A matriarca sempre conseguiu reunir toda a sua família em proximidade sua, sendo um dos momentos de maior confraternização em seu seio familiar a comemoração do seu natalício. 

Dona Maria Afra, agora com 103 anos, vive aos cuidados dos parentes, entre filhos e netos na rua Padre Joel, por trás da igreja matriz, o patrono da rua vem a ser o homem que a batizou, . Possuidora  de uma memória que a permitiu recordar dos mínimos detalhes  de acontecimentos que marcaram o ambiente que viveu e das ações da vida contando a seus filhos as histórias mais antigas, atualmente devido o avanço da idade perde muitas vezes a  lucidez, mas recobrando a mesma após uma boa conversa. 

Suas preciosas lembranças a levavam a rememorar uma Araruna de outrora, em que frequentava muito às missas na mocidade, lembrando dos detalhes dos altares da igreja, dos "gigantes" de sustentação na fachada da matriz, assim como também da grande reforma promovida em 1954 pelo Padre Joaquim de Sousa, em que considerou que se estava destruindo o patrimônio histórico, impulsionado pelo "fogo" e energia da juventude. 

Comemoração do seu aniversário em 2003. 
Dona Maria em 2005, na comemoração dos seus 88 anos.
Maria Afra regando suas plantas
Em sua residência na rua Padre Joel de frente a seu jardim

Maria Afra comemorando o seu centenário ao lado do único irmão vivo, Sebastião
Dona Maria rodeada por filhos e netos em comemoração a seu centenário. 

A matriarca soprando as velas dos seus 100 anos aos 24 de maio de 2017


Lembrava com emoção e saudosismo dos organizados desfiles promovidos pelo Grupo Escolar Targino Pereira e pelo Ginásio Pereira da Silva, em que considerava um verdadeiro evento cívico, onde se despertava logo cedo ao som das difusoras que tocavam o Hino nacional, Hino da Independência, e outros, além da sempre valorosa participação da Banda de Música.  Outro momento importante lembrado por Dona Maria e transmitido através da história oral, foi da inauguração da rede elétrica na cidade de Araruna pelo prefeito Targino Pereira da Costa, onde na oportunidade se apresentou a Banda Cantores de Ébano, composta por muitos músicos negros e que tocaram dentre outras Uirapuru

Recordava ainda dos antigos carnavais ararunenses, em que gostava de participar acompanhando, jogando bolas de parafina perfumadas nos foliões e pessoas que observavam o movimento. Seus momentos de descontração sempre foram contidos e sem extravagancias, dançarina de valsas e boleros com o marido, filhos e irmãos, costuma até hoje em dia ouvir antigas músicas e dançar como pode, mexendo somente os braços na incapacidade de andar devido a avançada idade, ou observando alguma filha dançar a seu pedido e sempre dizendo "você dança bem, mas eu dançava melhor!". 

Ainda costuma ouvir e cantar as músicas de vários de seus interpretes preferidos, a exemplo de Sertaneja de Nelson Gonçalves, música que o marido cantava para ela em serenata no seu pistom; Que Será? Dalva de Oliveira; Casinha Branca de Gilson Vieira da Silva; Meu sublime torrão de Genival Macêdo e outros, como Altemar Dutra, Agnaldo Timóteo e Ataulfo Alves. Outra paixão praticada por dona Maria Afra era a poesia, onde declamava com entusiasmo, dentre as preferidas encontra-se "Meus oito anos" de Cassimiro de Abreu em que a será transcrita  a baixo como homenagem a sua vida. 

Meus oito anos
Casimiro de Abreu

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
De despontar da existência!
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor!

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d´estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias de minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberto o peito,
– Pés descalços, braços nus –
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

[…]

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
– Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Por Wellington Rafael

Agradecimento especial a Professora Socorro e Izelda, filhas de Dona Maria Afra pelas informações aqui transmitidas.